quarta-feira, 17 de julho de 2019

O Rei Leão, por Eduardo Antunes


Título original: The Lion King (2019)
Realização: Jon Favreau
The Lion King é capaz de ser, até agora, o mais estranho deste revivalismo dos filmes "clássicos" de animação da Disney. Se o reviver desta estória consegue demonstrar indiscutivelmente a sua intemporalidade, e a "actualização" do aspecto visual nos encanta na admiração de um mundo agora tão mais próximo do nosso no seu realismo, essa mesma actualização não trás nada de novo e retira até algum do carácter original, sem ainda assim perder o encanto inerente.

Estas novas iteracções dos filmes que conhecemos da nossa infância não têm nenhum problema por si só (apesar de, em certa medida, ser óbvio o objectivo de retirar mais algum dinheiro de quem queira reviver a sua nostalgia com um novo visual). Tendo em conta o que poderia parecer uma animação datada face os olhos dos mais jovens, o aproveitamento das novas técnicas de animação computorizada oferecem novas oportunidades que muito podem trazer.

Mas em todos os filmes, essa passagem tem trazido a necessidade de tornar estas adaptações mais realistas, por também, como audiência, nos termos tornado mais atentos e críticos na apreciação da lógica narrativa, para o bem e para o mal. Num meio de animação desenhada, havia uma maior liberdade nos elementos apresentados, já que o meio narrativo em si é fantasioso e potencialmente exagerado. É precisamente nesse realismo "necessário" que fica patente as forças e fraquezas desta tentativa. Visualmente, é espantoso desde a cena inicial, enquanto batemos o pé ao sim de "Circle of Life", admirar um mundo colorido, luxuriante e vasto que parece ser mais documentário que ficção, fazendo-nos apreciar a riqueza do nosso planeta de uma forma renovada.

Mas é precisamente ao ouvirmos as primeiras palavras de Ejiofor e ao correspondermo-las à expressão de Scar que notamos o primeiro sinal de estranheza, que se estenderá ao restante filme. Existe uma falta de carácter expressivo nas faces destas personagens que, mesmo nas cenas mais dramáticas, não nos permite sentirmos suficiente sentimento e conexão. Quando Mufasa morre, a reacção de Simba não parece corresponder à sua perda, pela falta de expressão dos seus olhos.
Essa tinha sido a crítica na tentativa anterior de Favreau de adaptar uma estória com animais em The Jungle Book, que inclusivente em Mowgli tinha sido abordado de forma distinta, oferecendo aos animais algum tipo de expressões que conseguimos corresponder às nossas próprias e, por isso, relacionarmo-nos melhor com personagens muito longe da nossa natureza. O próprio visual dado aos diferentes animais acaba até por lhes retirar a tão óbvia mas bem-vinda caracterização original, até confundido, por exemplo, Simba e Nala enquanto crias, por quase não se notar sequer a ligeira descoloração de um para outro.

É nesse aspecto que a maior parte do elenco escolhido faz um óptimo trabalho de oferecer o carácter que a animação realista retira. Aliás, de uma forma geral, a escolha de fortes e reconhecidas personalidades para esta nova adaptação auxilia a termos uma correspondência com algo que já conhecemos. Donald Glover, na segunda metade do filme, sendo a este ponto da sua carreira já tão reconhecido como actor tanto quanto músico, traz um bom equilíbrio, não dando mais atenção a um aspecto que outro.

Ainda assim, algumas vozes distraiem, remetendo directamente para a pessoa por trás do animal, em vez do contrário. Ouvindo Nala, não nos é possível desligar de Beyoncé, dado o seu timbre e maneirismos vocais tão característicos. E se a razão aparente de a trazer a bordo foi a de cantar "Can You Feel The Love Tonight", talvez não tenha sido a escolha mais acertada dado que a própria personagem originalmente não tinha muito tempo de ecrã (e aqui pouco mais). Se a voz de James Earl Jones também se mostra tão característica e imediatamente reconhecível, no seu caso é pelo carácter próprio dado às personagens que deu voz, e não pela recordação da pessoa em si.

Também com as personagens com um sentido mais cómico, existe uma clara diferença. John Oliver oferece também a quantidade suficiente da sua persona que conhecemos, sem (de)cair num improviso sem sentido. E frente à clara química original entre Timon e Pumba, que aqui é actualizada em momentos de forma inteligente, ao contrário Keegan-Michael Key e Eric André são tão proeminentes nas cenas em que as suas hienas surgem, mas as quais, pelo seu enquadramento narrativo não pediam a comédia tão óbvia (ainda que muito divertida) que lhes foi requisitada.

Apesar de tudo isto, o que no final torna esta adaptação tão mais estranha na sua execução é que, na sua duração com mais trinta minutos que o filme de 1994, não acrescenta rigorosamente nada (aparte uma nova canção, como habitual, e a cena em que Nala foge para encontrar ajuda), e retira até cenas de particular caracterização. Rafiki é aqui senão uma sombra do que era, sem quase tempo de ecrã, fazendo muita falta a sua cena prolongada de ensinamento a Simba, com a sua lição e discurso memorável sobre o papel do passado e a escolha que Simba deve tomar face a ele:
Oh yes, the past can hurt. But from the way I see it, you can either run from it, or... learn from it.

Com The Jungle Book, Favreau teve a oportunidade e capacidade de oferecer algo que o filme original não tinha. E pelas falhas que esse filme possuía, na falta de humanização suficiente das suas personagens animalescas, também The Lion King peca, não nos fazendo ligar tão bem de forma emocional com uma história tão trágica quanto cómica.
No final, não trazendo nada de novo a uma das melhores histórias que a Disney já contou sob a forma de animação, continua na verdade a ser uma visualização de extrema eficácia, pela história e músicas originais permanecerem tão especiais quanto o eram há um quarto de século atrás, agora apurados com um visual renovado e totalmente apreciável na sua execução sem falhas.


1 comentário:

  1. O Rei Leão (2019): 5*

    Que filme lindo, ofereceu-me uma mistura de sentimentos e é perfeito.

    Cumprimentos, Frederico Daniel.

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