segunda-feira, 7 de março de 2011

Entrevista a Vicente Alves do Ó, argumentista e realizador de "Quinze Pontos na Alma"

Vicente Alves do Ó começou por destacar-se como argumentista de telefilmes como Monsanto e Facas e Anjos. Entretanto teve oportunidade de trabalhar com realizadores de renome como António-Pedro Vasconcelos ou com actores como Nuno Melo e Margarida Marinho, mas sempre na sombra. Mas foi há três anos atrás que recebeu a notícia que esperava desde 2000: o ICA iria apoiar a sua primeira longa-metragem onde iria trabalhar simultaneamente como argumentista e realizador. Após um longo processo de produção, estreia em breve Quinze Pontos na Alma, protagonizado por Rita Loureiro com Ivo Canelas e Ana Moreira.

O Split Screen esteve à conversa com Vicente Alves do Ó, acerca daquele que promete ser um filme sofisticado centrado numa mulher, contudo não é um filme sobre a condição feminina, mas sim sobre a condição humana. Quinze Pontos na Alma estreia a 7 de Abril nos cinemas portugueses, com banda sonora de Pedro Janela.

Como e porquê se passa de argumentista que trabalha em conjunto com nomes como Solveig Nordlund, António-Pedro Vasconcelos ou António da Cunha Telles a realizador de uma longa-metragem? Sentiu necessidade de dar esse salto?
Não foi uma necessidade, foi uma vontade. Comecei como argumentista porque foi a porta que se abriu para alguém que não tinha feito a Escola de Cinema nem conhecia ninguém no meio. A escrita possibilitava-me estar no cinema mesmo vivendo no alentejo. Obviamente que, depois, tornou-se imperativo a mudança e vim para a cidade. Ser realizador era a primeira vontade.

Quinze Pontos na Alma teve um orçamento de 900 mil euros. O processo de financiamento foi complicado?
O processo de financiamento deste filme, como da grande maioria do que se faz em Portugal, assenta nos concursos do ICA. Sem este apoio financeiro é difícil "levantar" uma produção cinematográfica, se bem que começam a surgir outras formas e ainda bem. O cinema precisa de diversificar as suas fontes de financiamento.

O filme tem como base uma protagonista feminina num estrato social mais elevado. Quer falar-nos um pouco mais sobre o argumento do mesmo?
A escolha não passa por uma mensagem de cariz social, mas por um fascínio. A fotografia de moda, o retrato, a estética ilusória com que construímos a nossa vida a partir do sonho, dos desejos que a publicidade e as revistas nos contaminam. Foi uma escolha, como poderia ter sido outra. Mas há algo de diabólico na forma como hoje ambicionamos ser, ter, parecer... e queria usar essa ilusão para falar no vazio, na solidão e no desnorte em que vivemos hoje. Temos tudo e não sabemos o que queremos. O filme fala sobre isso, sobre uma mulher que tem tudo, mas que ter tudo não lhe chega para ser feliz ou para se sentir feliz.

Das imagens que já foram reveladas dá a ideia de um universo sofisticado com semelhanças a uma estética almodovariana. É propositado?
O universo almodovariano é tudo menos sofisticado. É outra coisa. Ele usa a estética no sentido que tenta extravasar a realidade. Gosto da sua estética, mas não a reconheço em mim nem neste filme. Talvez aquilo que chame o universo almodovariano é o facto da mulher ser o centro do filme, coisa cada vez mais rara no cinema actual. Aí sim, este é um filme onde a mulher é central. Mas não como condição feminina, senão como condição humana.



Essa estética sensível e sofisticada parece incomum em produções nacionais. Acha que era isso que faltava no cinema português?
Acho que faltam muitas coisas ao cinema português, principalmente a forma como olhamos para ele, como catalogamos pessoas e filmes, como somos pouco abertos à diferença. Temos uma tendência provinciana de avaliar tudo por uma cartilha pouco aberta ao mundo, à diferença e à ambição.

Quais foram as suas maiores inspirações e influências?
As inspirações e influências não se remetem apenas para um filme, mas sim para um olhar e o meu olhar cresceu a ver muita coisa, não só cinema, como teatro, arquitectura, fotografia, moda, História. O "Quinze Pontos" é um resultado de todas essas influências e inspirações, mas acaba por ser o meu olhar numa história profundamente pessoal.

Quanto tempo decorreu o processo de produção? Como foi filmar com um orçamento menos reduzido que o habitual e com a hipótese de trabalhar com uma equipa maior?
A produção correu muito bem. As filmagens ainda melhor. Difícil foi a pós-produção que durou muito tempo. Os orçamentos não fazem os filmes. O realizador deve trabalhar antecipadamente as condições que tem para que o filme resulte naquilo que ele deseja e não é porque há mais ou menos dinheiro que isso se consegue. Trabalho, dedicação, empenho, de todos, esse é o verdadeiro segredo de um filme.

O elenco do filme reúne nomes como Rita Loureiro, Dalila Carmo, Ivo Canelas e outros grandes nomes do cinema em Portugal. Como chegou a esse casting? Sempre teve o sonho de dirigir esses actores?
Alguns dos actores já conhecia e gosto de trabalhar com eles. Outros chegaram mais tarde porque casavam com o papel e eram aquilo que eu procurava. O trabalho dos actores é um processo de paixão. De entendimento e cumplicidade. Felizmente consegui isso com todos e espero que se sinta no filme essa entrega e essa dádiva. É um elenco diversificado, de actores com escolas diferentes, mas que deram o seu melhor. Fiquei muito feliz e espero voltar a trabalhar com eles noutros filmes.

Teve aqui um trabalho duplo: como argumentista e realizador. Como foi equilibrar essas duas facetas?
Foi muito interessante. Primeiro escrevi e reescrevi. Depois cortei, alterei, sob o ponto de vista da realização. Fui o meu melhor amigo e o meu pior inimigo, mas há que ter essa capacidade e trabalhar sob ela: libertar a história no papel para depois desenhá-la na imagem. Gostei muito.



Acha que o cinema português necessita de uma mudança? De que forma pode ter mais visibilidade internacional?
O cinema português tem tido visibilidade internacional. Não aquela que mais desejamos, que são os grandes prémios, os Óscares, as Palmas de Ouro, mas tem feito o seu caminho e um caminho muito interessante e de grande valor. Se existe algo a mudar, penso que essas mudanças são cá dentro. Na forma como se trabalha, como se vê o cinema, como se financiam os filmes, como se distribuem, esse trabalho sim, tem que ser feito e melhorado para que o cinema feito em Portugal sobreviva e floresça.

Quinze Pontos na Alma vai ter estreia comercial em 2011? Qual espera ser a reacção do público português?
O filme estreia dia 7 de Abril nas salas. Quanto ao público, não sei. Não tenho pensado muito nisso. Se quero que o público vá ver? Sim, quero, um filme vive nas salas, nos DVD, quando é visto. Mas espero ter feito um filme que possibilite muitas leituras, que acompanhe as pessoas em diferentes épocas das suas vidas, que seja um estado de alma onde se volta. A eternidade de um filme mede-se por aí. Pelo regresso.

E projectos de futuro?
Projectos há muitos, mas para já começo a rodar dia 23 de maio a segunda longa metragem sobre a poetisa Florbela Espanca com a actriz Dalila Carmo no papel principal.

2 comentários:

  1. Baseando-me pelos teasers, já gostei bastante.

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  2. Sim, parece-me interessante e algo muito diferente do que é habitualmente feito em Portugal.

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