sexta-feira, 2 de março de 2012

Entrevista a Dalila Carmo - «É urgente que se faça um cinema no qual as pessoas se possam rever»


Ficámos à conversa com Dalila Carmo, a propósito da estreia em Portugal de Florbela, filme de Vicente Alves do Ó onde a actriz interpreta a poetisa portuguesa Florbela Espanca e que chega já a todo o país a 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. A actriz, humilde, assume que espera que este seja um dos seus primeiros grandes papéis, mas não subestima nenhum dos outros trabalhos. Quando questionada sobre com que realizadores gostaria de vir a trabalhar, responde sinceramente: «declarações de amor públicas causam-me um certo pudor», «promovo-me pouco, por pudor e falta de jeito». Felizmente, o seu talento faz o trabalho por si, acabando por ser convidada pelo argumentista e realizador Vicente Alves do Ó para interpretar a poetisa. «Não tive casting nem tive que ouvir que somos bastante diferentes fisicamente». E mesmo que muitos lhe vejam semelhanças com Florbela Espanca, a actriz diz que o «poder da sugestão é forte» e considera-se imensamente grata ao realizador por este não estar «condicionado por certos padrões».


Sobre o processo de criação da personagem, Dalila assume o extenso e difícil trabalho de pesquisa, visto existirem dados contraditórios na biografia de Florbela Espanca e não termos registos seus de voz ou em vídeo. Mas não quis também criar algo muito rígido, dizendo que este é «também um trabalho de intuição». «Tentei aproximar-me da pessoa e libertar-me das referência para não ficar condicionada por elas. Tudo são tentativas de nos aproximarmos de alguém». Diante isto, a actriz não tem receio de ser criticada por interpretar de forma pessoal uma figura tão conhecida e marcante tanto em Portugal como no Brasil. «Toda a gente conhece a Florbela e tem muitas certezas sobre ela e sobre quem ela era», mas «queria trabalhar a ambiguidade que ela teve até hoje e dar espaço ao espectador para reflectir sobre isso em vez de desenhar uma personagem de uma forma absoluta e fechada». «Não há caminhos consensuais e é complicado que haja». Conclui por afirmar que «Ninguém nunca é só uma coisa. Somos tudo. E somos muita gente». Dalila Carmo assume identificar-se com a personagem diariamente e que teve de «mergulhar de cabeça» para a encarnar no cinema. Florbela Espanca é conhecida pelos seus vários amores e desgostos, inclusive um intenso período de luto após a morte do seu irmão Apeles Espanca, mas a actriz admite que «não há grande pesquisa para a dor». «Vivemos, não é? Sem ela, o resto também não faz sentido».

Ter a oportunidade de encarnar Florbela Espanca foi um trabalho especial para a actriz, mas que num futuro trabalho «gostava de fazer uma mulher muito  cheia de si, cheia de auto-confiança», por gostar que lhe façam questionar tudo já que a sua «inquietação precisa dessa zona de conflito». «Tenho tudo por fazer. Não são as coisas que nos dão mais visibilidade que são mais gratificantes. Muitas vezes são as que ninguém vê», diz. Pessoalmente e profissionalmente dividida entre Portugal e Espanha, Dalila Carmo diz notar uma diferença de mentalidades: «A semana passada fui a uma estreia em Madrid e as pessoas gritavam "Bravo" antes do filme começar. Vão para gostar! E porque o cinema deveria ser sempre essa celebração também». Assume porém que em Espanha, existe mais tempo e dinheiro: «Gravei lá uma série de época em Dezembro», referindo-se a uma participação especial na minissérie espanhola El tiempo entre costuras, que abrange todo um período antes da Guerra Civil Espanhola até à Segunda Guerra Mundial. «Gravaram onze ou doze episódios em nove meses. Aqui isso era impensável».


Já no que diz respeito ao cinema português, afirma que «ainda há preconceito e ignorância», mas que é imperativo «que se faça um cinema no qual as pessoas se possam rever, com o qual se identifiquem», mas sobretudo «onde haja humanidade, gente de carne e osso, onde haja vida». «Sinto que se deve dar espaço a novos realizadores e novas linguagens», mas também assume que deve haver uma educação dos espectadores que devia começar nas escolas: «Acho que se deve habituar uma pessoa a ser curiosa, a procurar outras coisas, a aceitar a diferença e a compreender o cinema como o espelho de uma identidade cultural, que pode andar mais abatida e menos feliz, mas que tem riqueza, profundidade e muita poesia». É apaixonada pelo cinema e refere nos últimos anos ter gostado de bastantes filmes portugueses, de onde destaca a filmografia de Pedro Costa, Ganhar a Vida, de João Canijo ou A Outra Margem, de Luís Filipe Rocha. A nível internacional diz que dos que viu em 2011 gostou bastante de A Árvore da Vida, do realizador Terrence Malick, Melancolia, de Lars von Trier, Um Profeta ou Biutiful. Quanto a projecto de futuro, Dalila Carmo afirma ter várias propostas pendentes, a curto e longo prazo, mas assume resignada «Aprende-se tão bem a viver um dia de cada vez nesta profissão. Que remédio».

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