terça-feira, 25 de outubro de 2016

Bem-Vindos... Mas Não Muito, por Carlos Antunes



Título original: Le grand partage
Realização: 
Argumento: 
Elenco: 


Aceita-se que a comédia parta de um pressuposto mal engendrado quando quer ser crítica da sociedade contemporânea. O problema está em que nem com a quebra das regras de lógica política Bem-Vindos... Mas Não Muito consegue ter algo a dizer.
O filme assenta em clichés gastos que devem estar mais perto de um mito do que uma verdadeira memória da vida em Paris. Veja-se aqueles que terão de aceder a receber em sua casa algumas pessoas durante o Inverno.
O casal burguês, naturalmente de "direita", que dorme em quartos separados e tem uma empregada de origem africana, que despreza de tal maneira a nova lei do governo que vai buscar a velha mãe ao lar para onde foi desterrada.
O casal de esquerda, de ideas vanguardistas até na decoração da casa, mas que na hora da verdade mostram o seu pouco comprometimento com o que defendem.
O homossexual solitário que tomou conta da mãe toda a vida e está agora desejo de ter alguém em casa com quem passar um pouco de tempo.
Há ainda uma porteira que teme os emigrantes e certamente vota em Marine Le Pen (porque já não pode votar no pai) mais um casal de velhos em que ele só quer ter sossego enquanto ela passa o tempo a bisbilhotar a vida dos vizinhos e a rabujar.
Se isto é o retrato do universo que constitui um prédio de um dos mais chiques arrondissements parisienses, nem para se safar ao frio haveria quem lá quisesse ir parar!
Para os personagens o cliché não é o pior que lhes está reservado. Eles são fantoches de uma contínua mudança de mentalidade que impossibilita qualquer consistência.
Nenhum dos personagens é no final aquilo que era no início. E muito menos aquilo que foi de permeio.
Não porque sejam transformados por contacto humano de cinco minutos que só no cinema muda as crenças mais duradouras, mas porque as decisões contraditórias têm de acontecer pela mão dos mesmos intervenientes ou não haveria maneira do filme continuar.
Uma excepção, a porteira. Ela, entretanto, descobriu o prazer de ter um amante africano, que em tamanho é "tal e qual como dizem". Ela faz tão pouco no filme que tiveram de lhe dar a piada final - e umas rastas! - para que chegasse a ser uma memória.
O que é mais do que o casal idoso, que poderiam ser denominados como o casal Not-Appearing-In-This-Film se os Monty Python fossem para aqui chamados!
Isto está longe de querer dizer que o filme termina com aquela nota de esperança de que as pessoas melhoram o seu carácter e vivem de forma comunitária.
Contrariamente ao que o filme ameaçou durante a sua duração, no final ninguém quer gastar o seu tempo com a conversa dos vizinhos ou sequer parece ter para eles uma atitude diferente do desprezo inicial. No final apenas o transformaram em conversa de circunstância.
Não havendo imaginação, nem personagens, nem consistência, houvessem ao menos piadas que funcionassem. Não há e não vale a pena dizer mais nada sobre o assunto.
Sem talento nem como argumentista nem como realizadora, não se compreender como Alexandra Leclère reune o bom elenco que aqui se vê ou como supera um milhão de espectadores em França.
Um país conhecido pela sua militância política tem de reflectir quando esta visão grosseira de si próprio apela a tantas pessoas.




Sem comentários:

Enviar um comentário