sábado, 3 de março de 2018

Chama-me Pelo Teu Nome, por Carlos Antunes



Título original: Call Me by Your Name
Realização: Luca Guadagnino
Argumento: James Ivory
Elenco: Armie Hammer, Timothée Chalamet, Michael Stuhlbarg


Filmar a disputa de intelectos num encontro de corpos é um dos trabalhos hercúleos com que se deparam os cineastas.
Criar a subtileza dos gestos que se substituiem às palavras sem apagar tanto do que rodeia os personagens que se apague a urgência do que está para acontecer.
Dentro dessa subtileza, não se abstrair dos personagens, ser capaz de lhes dar substância e, sobretudo, elevá-los a um mesmo patamar que os faça disputar a atenção um do outro antes de cederem à pulsão filmada.
Luca Guadagnino lança-se ao filme demonstrando a intencionalidade de ser bem sucedido sem encontrar os elementos para alcançar tão difícil equilíbrio.
Se a expressão física fica garantida pela escolha de Armie Hammer e Timothée Chalamet, há batota na forma como se expressa a inteligência de ambos.
O recurso a obras alheias, sobretudo os textos de Heidegger para as divagações de Oliver, emoldura o que ele e Elio são.
Filhos da intelectualidade prestes a demonstrar falta de argúcia sentimental para lidar com uma relação que parece ser a primeira que têm com alguém do mesmo sexo.
O realizador tem a sorte de ter encontrado Timothée Chalamet. Um foco no meio de tudo o resto - para o realizador se orientar e o público fixar -, ele é a presença capaz de sugerir um pouco do que James Ivory não conseguiu escrever.
Uma inveja capaz de se confundir com a rejeição inicial da atracção que sente. Inveja de uma primeira vez em que não é ele o rapaz que atrai os outros para si.
Os pais de Elio admiram o conhecimento de Oliver, as raparigas admiram-no por comparação com estudantes de anos anteriores.
Guadagnino de imediato torna evidente o desconforto da atracção daquele rapaz. Chalamet acrescenta-lhe a hesitação sobre o papel que deve assumir como homem.
O actor é capaz de sugerir temas ocultos numa relação que o filme trata como um caminho a percorrer com firmeza em vez de uma paisagem em que demorar o olhar.
É verdade que as cenas entre os dois são lânguidas, deixando repousar os corpos no ecrã. Só que a delonga não traz a subtileza que se pretendia encontrar.
Onde existem silêncios o filme deveria ter discussões veladas sobre o entendimento que os personagens fazem do que lhes acontece.
O tempo passa limitando-se a ter os corpos cada vez mais perto um do outro, num fluxo inevitável onde nunca surge um interregno que faça duvidar da união por acontecer.
Apesar de todos os seus conhecimentos, eles não falam senão na cena da confissão que transforma de imediato os companheiros relutantes em amantes decididos.
Tudo o que neste Verão de amadurecimento de Elio ficou por dizer e que fez tardar o romance tem de ser resolvido na cama onde os interessadoss hesitantes dão lugar a amantes experimentados.
Num filme que assume fortemente o homo-erotismo em espera, parece que a sua concretização deixa o realizador mal-gradado.
Quando o sexo é heterossexual, a câmara não se incomoda com a presença desnudada de Esther Garrel. Quando se passa entre Oliver e Elio, desvia-se para as folhas de árvore acariciadas pela brisa.
Mesmo a cena do alperce, apesar de todo o aparato do que poderia acontecer, redunda num abraço. Um pudismo que se estranha e que afasta da intimidade a ser sugerida.
Uma intimidade que é muito mais credível nessa magnífica - e quase deslocada - cena em que o pai fala da Elio de como a sua própria vida teve um episódio como o dele mas falhado.
Esse instante magnífico de Michael Stuhlbarg prova que faltou ver muito mais dele. Mais do que isso, no final do filme relembra como todos à volta daquela relação evitaram intervir.
Nem um conselho, nem uma discussão. Os personagens que não os protagonistas do romance estão ausentes.
Esses outros personagens, imagina-se, terão acabado no chão da sala de montagem onde Guadagnino foi reduzindo as quatro horas de filme iniciais.
A sua indulgência poderá ter sido reduzida em parte mas a sua escolha parece ter ido para a permanência das cenas menos substanciais - e só em teoria mais sugestivas!
Essas cenas que fazem com que, mesmo pouco acima de duas horas, o filme seja demasiado longo para o tem para dizer acerca deste coming-of-age.




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