Corinna Lawrenz assume pela primeira vez as rédeas da KINO, a Mostra de Cinema Alemão que passará mais uma vez por Lisboa, Porto e Coimbra.
O Split Screen aproveitou para trocarl algumas impressões com a programadora da KINO 2016 acerca desta edição mas, igualmente, daquilo que poderá ser o futuro da KINO com ela ao leme.
Sendo esta a sua primeira KINO enquanto programadora, a primeira pergunta tem de ser como vê o festival que recebeu e o que mudou para esta edição?
A KINO é um festival que cresceu de uma forma extraordinária durante os últimos anos. É um dos festivais mais antigos de Lisboa, começou como uma Mostra pequena no próprio Goethe-Institut e é hoje um evento de oito dias, várias secções, retrospectiva e convidados. É, por isso, tanto uma honra como um grande desafio ser programadora deste festival.
Neste sentido, as mudanças nesta edição são também em primeiro lugar alterações pequenas em alguns pontos da programação. Introduzimos a linha programática “Novas Perspectivas” que, em todas as secções do festival, dá a conhecer primeiras obras de jovens realizadores. Voltamos a ter sessões dedicadas exclusivamente à arte da curta-metragem e queremos reforçar esta parte do festival nos próximos anos. Alargámos o leque de convidados (teremos este ano o Ulrich Peltzer, co-autor do filme de abertura, Rosa von Praunheim, Elfi Mikesch, Oliver Sechting e Karl Markovics) e apresentamos uma retrospectiva em colaboração com a Cinemateca e Augusto M. Seabra.
O que espera que a sua selecção mostre aos portugueses, não só acerca do cinema, mas acerca da actual cultura Alemã?
Acho que é uma pergunta complicada, até porque não é o meu objetivo principal “mostrar” alguma coisa de uma forma muito explícita. Se as pessoas saírem das nossas sessões a dizer que acabaram de ver bom cinema, estou contente. Se, para além disso, acham que chegaram a saber algo de novo sobre os países de língua alemã (não estamos a falar só da Alemanha) ou as suas culturas, muito bem. Mas acho que os dois aspectos têm de andar de mãos dadas. O documentário “Freiräume” por exemplo, levanta uma questão muito básica (a de como lidamos com mudanças drásticas nas nossas vidas) e conta quatro histórias individuais, trabalhando com a ausência visual e à presença da voz de cada uma das entrevistadas. Os espaços que mostra são espaços muito específicos de uma zona específica da Alemanha, mas a questão que está no fundo é muito mais abrangente.
No seu gosto pessoal, quais são as sessões que sente que o público não deve perder?
As sessões de abertura e encerramento, obviamente. Para além disso, gostava de dar um destaque especial às Novas Perspectivas que são uma oportunidade de ver obras de jovens realizadores, em parte provenientes da Berlinale do ano passado. Finalmente, acho que as sessões de curtas-metragens valem muito a pena porque dão a conhecer abordagens cinematográficas diferentes.
O que afirmará a retrospectiva da obra de Rosa von Praunheim em pleno 2016?
Se olharmos para Novembro de 2015 em Portugal e para a aprovação da lei de adopção de crianças por casais gay, penso que esta retrospectiva (e talvez o termo ciclo seja, por isso, mais adequado) é uma das mais atuais que podíamos fazer este ano – tanto neste sentido como olhando para a Berlinale do ano passado onde o Rosa apresentou o mais recente filme dele. Ademais, para além de o cinema dele ter tido uma importância social e cultural muito elevada – e não só na Alemanha – , um documentário tão pessoal como “Meine Mütter” também nos conta a história de uma vida cunhada pela história alemã do século passado.
O que teve de ficar de fora da selecção deste ano mas sente que o público precisava ainda de ver?
Sobretudo, podíamos ainda ter alargada a selecção de filmes inseridos nas Novas Perspectivas. Tivemos, de facto, uma selecção fantástica neste ponto. Para além disso, na secção KINOdoc (e também, mas de uma forma menos drástica, na Mostra Principal) houve algumas temáticas que achei igualmente importante mas que ficaram de fora desta vez por termos dado o foco na questão dos refugiados que nos pareceu muito importante este ano. Há um grande potencial para as próximas edições e é, por isso, algo que me deixa ficar muito contente.
Em que medida se têm equilibrado a descoberta do mais recente cinema Alemão pelo público português e o chamamento aos alemães residentes em Lisboa?
Não gosto de pensar isto como dois públicos separados. Acho que dá a conhecer o mais recente cinema de expressão alemã, e dar a conhecer tanto as obras dos grandes nomes do cinema alemão como filmes que não entram necessariamente nos circuitos comerciais cá em Portugal, é a intenção em relação a todo o tipo de público. É óbvio que depois há olhares diferentes sobre os filmes. Pensando, por exemplo, na sessão dupla de “Ein idealer Ort” e “Bube Stur”: são filmes que em primeiro lugar contam histórias particulares, mas também permitem um olhar sobre realidades sociais e políticas da vida nas zonas rurais da Alemanha, e finalmente também são filmes esteticamente muito interessantes. Dependendo do ponto de vista de cada um, podem ser interessantes por um ou mais desses aspectos. É isso que me interessa – exibir filmes que podemos abordar e achar importantes por várias razões.
O que acho importante é encontrar pontos de convergência. O público alemão que temos é tudo menos homogéneo, alguns com um interesse especial pelo cinema alemão, outros com um interesse forte no cinema em geral. Por isso, a nossa programação não é pensado para dois públicos separados, mas sim para um público que gosta de ver cinema.
Fatih Akin e Karl Markovics (sobretudo como actor) são o mais próximo que estamos de ter autores reconhecidos por um público mais alargado. E a submissão deste ano da Alemanha ao Oscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira, Labirinto de Mentiras, passou por cá tanto em festival (Judaica) como em sala passando despercebido de uma forma geral. Como vê que se pudesse dar o salto da mostra para uma maior entrada do cinema alemão no mercado português?
É uma questão que obviamente não diz respeito só ao cinema alemão, mas a grande parte do cinema europeu. Mesmo assim, penso que o cinema alemão até teve uma presença relativamente boa nas salas portuguesas no ano passado (se pensamos em “Phoenix”, por exemplo). Sempre que houver esta hipótese, gostamos de fazer ante-estreias durante a KINO com o objectivo de chamar atenção para filmes que passam pelas salas portuguesas e esperamos reforçar este tipo de colaborações nos próximos anos.
Pensando a médio prazo, se é que tal é possível, o que gostaria que o KINO fosse daqui por cinco anos?
Em primeiro lugar, gostava de continuar o trabalho das últimas 12 edições da KINO e contribuir para que o festival possa crescer – não tanto em termos de quantidade de exibições, mas antes em aspectos de programação tanto no que diz respeito às principais secções como à Mostra para Escolas. Para além disso, gostava que a KINO se tornasse mais num ponto de encontro entre o público português e realizadores, conhecidos ou jovens, da Alemanha. E também entre jovens realizadores portugueses e alemães.
Se não tivesse limitações de qualquer tipo, qual seria a sua concepção para um KINO ideal?
Acho que a minha resposta a esta pergunta é basicamente a mesma que a anterior. Gosto de pensar em pequenos passos para conseguir estes objectivos e num desenvolvimento gradual dos próprios objectivos.