quinta-feira, 29 de março de 2018

Ready Player One: Jogador 1, por Carlos Antunes



Título original: Ready Player One
Realização: Steven Spielberg
Argumento: Zak Penn, Ernest Cline
Elenco: Tye Sheridan, Olivia Cooke, Ben MendelsohnMark Rylance


Ready Player One não é o caso de um filme em que cabem todas as referências. É o caso de um filme que tem de as albergar. Está de tal maneira repleto delas que não é possível capturá-las por inteiro.
Se isso significa que há pelo menos uma mão cheia de referências para que cada espectador sinta o abraço caloroso da nostalgia, significa por outro lado que há que ignorar as referências para dar o devido apreço ao filme à nossa frente.
Afinal estamos perante material alheio com que Spielberg se pôde identificar e, a partir daí, criar um divertimento próprio fácil de partilhar com o público.
Nada mais do que uma aventura, com três provas a superar, uns inimigos em formato boss e a exploração obsessiva 
Spielberg é um artesão do cinema e mesmo num mundo totalmente virtual não abdica de fazer o melhor em função do espectador.
A corrida que vem logo no início do filme bastaria para o provar, excitante do princípio ao fim. Um espectáculo visual onde a velocidade, a cor e as ocorrências são exageradas. E em a realização permite que o todo seja compreensível.
Há tempo para que cada etapa da corrida se mostre e sem deixarem de estar unidas numa fluência que serve o resultado final. A acção está pensada para dar fôlego à cena e não para que a montagem se evidencie criando sensações que não existissem no trabalho do realizador.
Essa cena é tudo aquilo que Speed Racer pretendia ter sido e, por comparação, um ensinamento simples sobre como identificar talento.
Spielberg oferece o seu melhor sempre que pode - não muitas vezes pois o material de Ernest Cline não o permite - por estar embuído do espírito de reverência aos seus ídolos que está na origem do projecto.
Aproveitando e remexendo num dos mais pessoais filmes de um dos seus - e de quantos de nós? - realizadores de eleição, Spielberg entra por The Shining dentro.
Outra das melhores cenas do filme, que sumariza o que é o resultado possível. A criatividade que Spielberg introduz num cenário cinematográfico bem conhecido acaba por desembocar nas formas de videojogo que condicionam o pensamento do escritor.
O filme avança para um resultado previsível, facilitando o percurso dos heróis à medida que avança pois tem um objectivo definido - uma moral contra a imersão nas obsessões que afastam o contacto humano que não faz por merecer e que, por isso mesmo, aparece despachada em voz off durante um beijo.
Para percorrer o percurso até ao seu final, o filme não tem tempo para construir os personagens nem para manter o equilíbrio entre o mundo real e o virtual.
A partir de um certo ponto a tensão deixa de existir pois o confronto está a acontecer na grande batalha final que é cenário para um expoente de referências visuais e de pouco entrelaçamento emocional com a vida de Wade.
Nesse instante se vê que Steven Spielberg levou esta imersão em cultura pop tão longe quanto podia, criando mesmo aquilo que será uma referência em dar novos pontos de vista a filmes pré-existentes.
O que, reconhecidamente, traz alguma estranheza a este mundo, como ouvir Rosebud servir de metáfora na boca de um adolescente viciado em cultura dos anos 1980.
Este é o mundo obsessivo em que The Shining não é uma referência mas antes o 11º filme de terror favorito de James Halliday. Citizen Kane é a referência de um homem que pensa a arte como algo mais do que acumulação do que alheio.
Valha que ele não se importa de ser criador de um momento de escapismo depois de ter criado muitas das referências que alguém entretanto agrupou.





terça-feira, 27 de março de 2018

Proud Mary, por Carlos Antunes



Título original: Proud Mary
Realização: Babak Najafi
Argumento: John Stuart Newman, Christian Swegal, Steve Antin
Elenco: Taraji P. Henson, Billy Brown, Rade Serbedzija, Danny Glover


A intenção de Proud Mary é inscrever-se na linhagem do Blaxploitation. Não deixa espaço à dúvida, visto que logo no poster está a referência ao opressor the Man numa corruptela da letra dos Creedence Clearwater Revival.
Depressa se percebe que é o próprio filme a tratar de contradizer a tirada e as pretensões, visto que Mary não mata ao serviço de um "branco"
O problema de "brancos" do filme parece, na verdade, existir apenas nos três argumentistas que o criaram sem compreenderem a origem do que queriam imitar.
O início até se faz passar pelo que não é com a soul dos The Temptations e os gráficos dos anos 1970.
Só que, vinte anos depois de Tarantino - não sem problemas de apropriação - ter retirado a exploração da sexualidade às protagonistas femininas do Blaxpoitation e reforçado a força da mulher comum, Proud Mary vem retirar o que restava disso.
Em vez da independência, o filme serve um instinto de protecção que se caracteriza como maternal. O tipo de motivação que nem seria mencionado se este fosse um filme de protagonista masculino.
Num tempo de afirmação feminina - e afirmação nos filmes de acção - esta história é humilhante para as mulheres.
A montante disso é uma má história, cheia de linhas narrativas pelas quais há tal indiferença que não há qualquer tentativa de as amarrar no final
A protecção de um miúdo por uma assassina profissional é o tipo de história que só uma Gena Rowlands muito confiante conseguiu elevar. E mesmo aí foi necessário que um genial John Cassavetes - mesmo descrente - tivesse liderado a história.
Taraji P. Henson apenas consegue ser arrastada para o fundo desta poça de lama e perder de forma veloz o crédito que ganhou como Queenie e Cookie.
A sua Mary pouco mais faz do que ralhar com o miúdo e ser uma super-heroína na altura das cenas de acção.
Cenas de acção fracas. De tal forma fracas que é a própria equipa do filme a admiti-lo quando recorre a corredores (ilogicamente) mal iluminados para disfarçar a falta de habilidade coreográfica.
Nesse aspecto, sim, se pode dizer que o filme capta o espírito do Blaxpoitation. Sem investimento de monta tentou fazer dinheiro fácil.
Por isso o filme vive numa geografia sem sentido onde alguns chegam, a pé, mais depressa do que Mary ao volante de um Maserati.
Maserati do qual há uma quantidade abundante de cenas em que ele está a ser conduzido para lado nenhum. Mais do que product placement, é a forma que o realizador encontrou para esticar a duração do filme até à hora e meia.
Também isto pertence ao pior do Blaxpoitation, daquele que tentava cavalgar a onda sem ideias, onde - como aqui! - todos os personagens "negros" eram criminosos cheios de estilo, vendendo a imagem de uma vida que não abonava em favor da comunidade.
Nada neste filme justifica que Mary esteja orgulhosa. Não é Foxy Brown quem quer!




domingo, 25 de março de 2018

Maria Madalena, por Eduardo Antunes


Título original: Mary Magdalene (2018)
RealizaçãoGarth Davis

Lembro-me de ficar curioso pelo elenco apresentado aquando da minha primeira visualização do trailer, mas igualmente assutado quando, durante o mesmo, se vêem as palavras The untold story, por imaginar que o filme pudesse levantar polémica sem mais nenhum propósito. Será esta uma história que vale a pena ser contada desta perspectiva?

sexta-feira, 16 de março de 2018

Trailer e poster de "Avengers: Infinity War"


Após revelação de teaser há três meses, foi finalmente revelado o poster oficial e segundo trailer para Avengers: Infinity War, o décimo nono filme no Universo Cinemático da Marvel:


Uma década após o início deste expansivo universo de personagens e histórias baseadas nos heróis de banda desenhada da Marvel Comics, com a estreia de Iron Man no que parecia ser uma jogada arriscada na altura, está cada vez mais próxima a estreia do que promete ser, não apenas um acontecimento cinematográfico sem precedentes, mas igualmente na chamada pop culture, no culminar de uma promessa feita em 2012, numa intrigante cena pós-créditos em The Avengers.

Vingadores: Guerra do Infinito estreia em Portugal no dia 25 de Abril de 2018.

Tomb Raider: O Começo, por Eduardo Antunes


Título original: Tomb Raider (2018)
RealizaçãoRoar Uthaug

Se Assassin's Creed nos provou alguma coisa há dois anos é que, independentemente da equipa e valores de produção, filmes baseados em videojogos tendem a não saber adaptar os pontos fortes das respectivas histórias ao grande ecrã. E Tomb Raider volta a confirmá-lo, apesar do que as aparências pudessem dar a atender.

terça-feira, 6 de março de 2018

A Forma da Água, por Carlos Antunes



Título original: The Shape of Water
Realização: Guillermo del Toro
Argumento: Guillermo del ToroVanessa Taylor
Elenco: Sally Hawkins, Octavia Spencer, Michael ShannonRichard Jenkins


Um conto de fadas para adultos. Espera-se um filme em que os elementos fantásticos impulsionam a descoberta pessoal à medida que expõem os desafios que aguardavam tornar evidente o percurdo do "herói".
No "para adultos" está o cerne da questão, havendo de estabelecer o ponto de depressão de onde parte quem busca a sua própria superação.
A Elisa, por ter sido maltratada em criança, falta-lhe a voz o que a fez sentir incompleta pela vida fora. Até ver a criatura enclausurada, não se percebe que incompletude significativa é essa
Parece viver um contentamento silencioso. Apaixonada por musicais, rodeada de outros excluídos como ela e com um trabalho sem glamour mas onde a sua falta de cordas vocais a deixa mais confortável do que o contrário.
A única falha expressa é a de um parceiro sexual. Nada que não tenha um cariz genérico, capaz de gerar empatia sem qualquer desafio.
O mesmo se deve dizer dos amigos que a rodeiam, uma mulher afro-americana que com ela partilha o trabalho e um velho homossexual encapotado que com ela partilha a morada. Mais dois elementos desprezados pela sociedade e unidimensionais.
Para se opôr a eles há o vilão de Michael Shannon que, apesar de ser escrito para que não restem dúvidas que quem estiver contra ele está do lado correcto, é o personagem que mais perto está de ter ambiguidade.
Apesar de ser a encarnação do Mal - ou, como a narração de abertura diz, o verdadeiro "monstro" do filme - ele tem de cumprir com as difíceis exigências de sucesso, sinónimos de masculinidade: as da sociedade-modelo vinda dos anos 1950 e as da vida militar. Não por acaso o apelido do seu personagem é Strickland.
Por comparação com esta caracterização, olhe-se para o espião russo, cujo pensamento científico coloca a admiração pela espécie acima de qualquer lealdade pátria, e para o Anfíbio, que mesmo ao alimentar-se de uma gata é desculpado pela sua natureza selvagem.
Mesmo no sexo - incorporação pela qual Guillermo del Toro pensa ter atingido o estatuto "para adultos" - é Strickland a protagonizar algo pensável.
Ele é exposto ao público comportando-se de acordo com as pulsões que sente. Para ser caracterizado como bruto, naturalmente, mas tornando-se assim a única personagem a assumir a dimensão realista da matéria.
Elisa masturba-se e que acabará por fazer sexo com o Anfíbio. O primeiro acto não passa de um apontamento e o segundo ocorre de uma casta forma dançada, numa cena tão exageradamente fantasiosa que torna difícil haver um envolvimento emocional com a mesma.
Essa cena de sexo tem, aliás, uma (posterior) representação mais assertiva através do dedo de uma mão do que nos brilhos coloridos do Anfíbio!
O realizador achou que bastaria referenciar de forma inofensiva - e inexpressiva! - o sexo para ele estar desenvolvido no subtexto do filme.
Para um filme inspirado em Creature from the Black Lagoon, parece não ter a noção correcta da expressão de sexualidade que era a cena de perseguição aquática, intensa mesmo sob o sufoco do Código Hays.
Como o fez para o sexo, fê-lo para o racismo, a homofobia e a obsessão pela Guerra Fria. Traçou um mundo moral a preto e branco que não exige esforços de entendimento.
Um mundo com as cores dos musicais que ele tanto referencia ao longo do filme e os quais chega mesmo a tentar reproduzir, num momento desfasado do restante do filme e cuja pouca desenvoltura o evidencia como sucedâneo sem aspiração à grandeza.
De verdadeiramente grandioso no filme temos Sally Hawkins e Alexandre Desplat, enquanto tudo o resto é agradável mas inóquo.
Num ano de nomeações arriscadas, o Oscar principal para A Forma da Água é Hollywood a admitir que prefere qualquer elogio a si mesmo e aos seus tempos maiores do que exercer a possibilidade de falar sobre o seu tempo.




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sábado, 3 de março de 2018

Chama-me Pelo Teu Nome, por Carlos Antunes



Título original: Call Me by Your Name
Realização: Luca Guadagnino
Argumento: James Ivory
Elenco: Armie Hammer, Timothée Chalamet, Michael Stuhlbarg


Filmar a disputa de intelectos num encontro de corpos é um dos trabalhos hercúleos com que se deparam os cineastas.
Criar a subtileza dos gestos que se substituiem às palavras sem apagar tanto do que rodeia os personagens que se apague a urgência do que está para acontecer.
Dentro dessa subtileza, não se abstrair dos personagens, ser capaz de lhes dar substância e, sobretudo, elevá-los a um mesmo patamar que os faça disputar a atenção um do outro antes de cederem à pulsão filmada.
Luca Guadagnino lança-se ao filme demonstrando a intencionalidade de ser bem sucedido sem encontrar os elementos para alcançar tão difícil equilíbrio.
Se a expressão física fica garantida pela escolha de Armie Hammer e Timothée Chalamet, há batota na forma como se expressa a inteligência de ambos.
O recurso a obras alheias, sobretudo os textos de Heidegger para as divagações de Oliver, emoldura o que ele e Elio são.
Filhos da intelectualidade prestes a demonstrar falta de argúcia sentimental para lidar com uma relação que parece ser a primeira que têm com alguém do mesmo sexo.
O realizador tem a sorte de ter encontrado Timothée Chalamet. Um foco no meio de tudo o resto - para o realizador se orientar e o público fixar -, ele é a presença capaz de sugerir um pouco do que James Ivory não conseguiu escrever.
Uma inveja capaz de se confundir com a rejeição inicial da atracção que sente. Inveja de uma primeira vez em que não é ele o rapaz que atrai os outros para si.
Os pais de Elio admiram o conhecimento de Oliver, as raparigas admiram-no por comparação com estudantes de anos anteriores.
Guadagnino de imediato torna evidente o desconforto da atracção daquele rapaz. Chalamet acrescenta-lhe a hesitação sobre o papel que deve assumir como homem.
O actor é capaz de sugerir temas ocultos numa relação que o filme trata como um caminho a percorrer com firmeza em vez de uma paisagem em que demorar o olhar.
É verdade que as cenas entre os dois são lânguidas, deixando repousar os corpos no ecrã. Só que a delonga não traz a subtileza que se pretendia encontrar.
Onde existem silêncios o filme deveria ter discussões veladas sobre o entendimento que os personagens fazem do que lhes acontece.
O tempo passa limitando-se a ter os corpos cada vez mais perto um do outro, num fluxo inevitável onde nunca surge um interregno que faça duvidar da união por acontecer.
Apesar de todos os seus conhecimentos, eles não falam senão na cena da confissão que transforma de imediato os companheiros relutantes em amantes decididos.
Tudo o que neste Verão de amadurecimento de Elio ficou por dizer e que fez tardar o romance tem de ser resolvido na cama onde os interessadoss hesitantes dão lugar a amantes experimentados.
Num filme que assume fortemente o homo-erotismo em espera, parece que a sua concretização deixa o realizador mal-gradado.
Quando o sexo é heterossexual, a câmara não se incomoda com a presença desnudada de Esther Garrel. Quando se passa entre Oliver e Elio, desvia-se para as folhas de árvore acariciadas pela brisa.
Mesmo a cena do alperce, apesar de todo o aparato do que poderia acontecer, redunda num abraço. Um pudismo que se estranha e que afasta da intimidade a ser sugerida.
Uma intimidade que é muito mais credível nessa magnífica - e quase deslocada - cena em que o pai fala da Elio de como a sua própria vida teve um episódio como o dele mas falhado.
Esse instante magnífico de Michael Stuhlbarg prova que faltou ver muito mais dele. Mais do que isso, no final do filme relembra como todos à volta daquela relação evitaram intervir.
Nem um conselho, nem uma discussão. Os personagens que não os protagonistas do romance estão ausentes.
Esses outros personagens, imagina-se, terão acabado no chão da sala de montagem onde Guadagnino foi reduzindo as quatro horas de filme iniciais.
A sua indulgência poderá ter sido reduzida em parte mas a sua escolha parece ter ido para a permanência das cenas menos substanciais - e só em teoria mais sugestivas!
Essas cenas que fazem com que, mesmo pouco acima de duas horas, o filme seja demasiado longo para o tem para dizer acerca deste coming-of-age.




Passatempo A Idade da Pedra