segunda-feira, 11 de junho de 2012

Prometheus, por Carlos Antunes


Título original: Prometheus
Realização: Ridley Scott

Certamente alguém anteriormente já o assinalou mas há algo de muito curioso sobre o facto do prólogo (ou seja lá o que for que Ridley Scott quer que seja chamado) de Alien tenha, na verdade, um parentesco mais directo com Blade Runner por perseguir a resposta à pergunta "O que significa ser humano?" por acréscimo à pergunta "O que significa ter sido criado?".
A resposta a essa segunda pergunta fomenta a partida desta expedição mas é através de David que estamos mais perto de uma resposta - e, estranhamente, de uma empatia humana.
Robô desenhado para conforto das interacções humanas, tem a frieza brilhante de HAL 9000 que parece ter sido dominada até ao servilismo (vê-lo-emos a lavar os pés ao criador antes que o filme acabe) por alguma forma das Três Leis da Robótica de Asimov. No entanto ele mostra-se capaz de superar, pela manipuladora perspicácia que tem, o seu condicionamento para responder a um desejo de liberdade que a sua extraordinária concepção - como a de HAL e dos Replicants - acaba por fazer nascer contra a limitação que os humanos julgam ver nele e assumem que ele deve sentir.
A cruel evidência que ele afirma através de uma pergunta, "Não é o desejo de todas as crianças verem o seu pai morto?", é tão despojada de emoção e tão carregada de crua racionalidade que é imediatamente rejeitada por Elizabeth.
Ela não consegue ver que a sua busca pela explicação última das suas origens e a de Weyland pela equiparação dos homens aos seus deuses é uma outra forma de matar os pais da Humanidade: quer os Engenheiros criadores quer os pensadores (Charles Darwin) que nos explicaram, despojando ambos de mistério e significado futuro.
Esta é a Grande Narrativa - nem que seja porque é perpétua e transversal às várias Eras da História - mas é secundária ao filme.
Esta está no argumento como disfarce de gala para a principal direcção da história. A profundidade do filme não é mais do que reflexo do desejo do público mais dedicado em completar os largos interstícios que ficam entre as três ou quatro citações-chave que o filme faz de ideias que deram melhores filmes.
A verdadeira direcção do filme aponta a um conjunto de sustos que se aproximam do filme de 1979, numa versão deslavada da tensão que este provocava - e continua a provocar.
Prometheus parece nada mais do que um descendente desse filme, incapaz de aceitar o espírito série B e envergonhado em assumir que será um blockbuster como qualquer outro por estes dias. Basta avaliar friamente o terço final para encontrar o enorme espalhafato onde o excesso de acção toma o lugar que deveria pertencer à lógica da aglutinação narrativa.
Tanto é um descendente que toma como referência comportamental o filme original, reduzindo o conjunto de personagens, constituída pela elite de cientistas terrestres, a fantoches de uma estupidez a toda a prova e que é imensamente útil para os colocar nas situações menos consistentes - com os breves traços de carácter que mostram e com os seus propósitos naquela missão - mas mais úteis aos vários acontecimentos que justificam que o filme se mova para diante.
A reverência à estrutura de Alien é tão evidente que será impossível não reconhecer as cenas de lá decalcadas ou não reconhecer em Elizabeth Shaw uma reprodução pálida de Ripley.
Sigourney Weaver, apesar de melhores papéis que desempenhou, viu Ripley tornar-se num ícone que não consegue sacudir da sua imagem. Por mais que Noomi Rapace se entregue ao (pouco) papel, a sua presença aqui será esquecida mesmo tendo tentado torná-la numa preponderante figura feminina do cinema para o século XXI.
O próprio argumento o reconhece quando obriga Shaw a transportar consigo o corpo e a cabeça (entretanto separados) de David quando parte em direcção a novas respostas (e à sequela...).
O problema é que este filme não apresentou nenhumas respostas às questões que levantou. Possivelmente a maior delas seja a da lógica do prólogo do filme no interior desta narrativa, visto que esse define, desde logo, todo o destino biológico do planeta para o qual os personagens foram à procura de justificação mas não tem nenhum reflexo o resto do tempo.
Esse é o reflexo de uma certa falta de interesse dos argumentistas em ir para além do lançamento, em pinceladas indefinidas, de temas que preenchessem a quota de ficção científica inteligente ou que fossem fracturantes para as relações entre criações e criadores. Esse "não interessa" foi a resposta exacta que elementos da produção do filme deram aos muitos fãs que perguntaram sobre o que disse David ao Engenheiro despertado do seu sono, numa das cenas que melhor definiria o papel - excelentemente interpretado por Fassbender - que David escolheu para si mesmo, ao sacrificar-se para se tornar na criança que vê, finalmente, o seu pai morrer.
Por entre estes escombros de uma história, Ridley Scott filmou algumas excelentes cenas que são motivo de elogio. Algumas construções são deliciosas e fazem valer o 3D - mesmo se dele não necessitassem e este perturbe algumas cenas mais convencionais ao longo do resto do filme. Por outro lado, o design das origens biológicas da criatura concebida por H.R. Giger parece pobre. Mesmo se, ao que parece, tenha o próprio Giger ajudado a conceber tais origens.
Tal como essa fraqueza do design biológico, outros elementos conceptuais sofrem de anacronismos ou parecem preparados para o seu efeito visual e despojados de utilidade.
As sequências holográficas, úteis para evitar flashbacks mais convencionais, dão bons efeitos para justificar o uso do 3D, mas parecem ser ilogicamente selectivas no que revelam. O controlo das naves dos Engenheiros permite a combinação de luz e sons, mas a necessidade de uma flauta para iniciar os controlos é precária.
Ao filme falta coerência conceptual e inovação visual. Talvez o facto mais estranho para um cineasta que, antes, soube escolher as pessoas certas para com ele conceber o futuro.
Ridley Scott parece ter escolhido uma forma para o argumento que o tornaria em material grandiloquente que validasse o seu estatuto de visionário da ficção científica. Esqueceu-se de quão simples eram as histórias em torno das quais assentou o futuro e como era a inovadora estruturação visual que definia as grandes questões que estes levantavam.
Afinal, Alien é um excelente filme de terror e uma das versões de Blade Runner é um excelente noir. Serem, ao mesmo tempo, filmes de ficção científica enriqueceu-os muito, mas não os definiu por completo.
Numa entrevista à Empire, Ridley Scott disse que a ficção científica actual era "quase só fogo de vista". Infelizmente também este seu regresso ao género acaba por merecer estar englobado nessa afirmação, quer ideologica quer visualmente.
Agora só resta uma opção possível, temer o pior do que ele venha a fazer com o novo projecto ligado a Blade Runner.



3 comentários:

  1. Outra coisa  que tive pena de não aparecer no filme foi o fantástico discurso do Peter Weyland num Ted Talk futuro usado como trailer... Gostei muito do 3D (em geral não vejo o propósito, mas desta vez até gostei). Também tive pena de não se terem obtido nenhuma resposta, mas a vida é assim nem sempre se obtém o que se quer e tudo bem que Shaw não tenha obtido aquilo que ela e Charlie queriam, mas o próprio filme levanta muitas questões a que não responde (e que podem ou não ser respondidas na sequela a que o fim alude). Mesmo assim gostei, porque gosto deste tipo de filmes. Em vários aspectos era semelhante aos antigos: a "agenda" secundária ao que as personagens principais estão sujeitas, uma tripulação com interesse apenas no dinheiro e mentalidade "cada um por si", fumar dentro de uma nave espacial, etc...

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  2. Ao que tudo indica a resposta mais relevante a pergunta primária do filme (já que ficou bem claro que fomos criados por esses engenheiros), que é o por que da ira sobre os humanos é a mensagem subliminar mais cristianista possível. O que o Criador acha de sua criação e o que ela se tornou ao longo dos tempos já que fomos feitos a sua semelhança.Toda criação é feita por um propósito e quase sempre ela é entreleda com o livre arbítrio. Talves sejamos apenas caricaturas daquilo que nossos criadores esperavam quando nos criaram.

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  3. O mais difícil de "engolir" no filme foi o mecanismo da construção humana.
    Julgo que se pretenda interpretar a cena inicial como a inoculação de vida no meio Terra. Então toda a vida provém de um ser humanóide?
    A explicação dada é afinal criacionista ou evolucionista? o homem converge para o engenheiro? Mas se há evolução porque é que em 4,6x10^9 anos os engenheiros permanecem iguais? Serão eles perfeitos e incapazes de evoluir mais, seremos nós quase perfeitos?
    Ou por outro lado é totalmente criacionista e as proteínas libertadas, afectadas pelo sumo preto criaram instantaneamente bases diferenciadas para criar todas as espécies, havendo uma semente específica de Homem que não dependeria do meio para mais cedo ou mais tarde resultar em engenheiros...

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